IDPJ NÃO ALCANÇA FILHOS BENEFICIADOS POR DESVIO PATRIMONIAL DOS SÓCIOS, DIZ STJ
O incidente de desconsideração da personalidade jurídica (IDPJ) não pode alcançar o patrimônio de terceiros que não sejam sócios da empresa devedora, ainda que tenham sido beneficiados por atos de desvio patrimonial.

IDPJ buscou alcançar filhos que receberam doações dos pais, sócios de empresas cobradas por uma dívida não paga
A conclusão é da 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça e foi alcançada por 3 votos a 2. O colegiado concluiu que os ilícitos devem ser perseguidos pelo credor por meio de ação própria, como a de fraude contra credores ou fraude à execução.
A interpretação mais restritiva foi dada pelo relator, ministro Antonio Carlos Ferreira, que formou a maioria com Isabel Gallotti e João Otávio de Noronha (voto de desempate).
Ficaram vencidos os ministros Marco Buzzi e Raul Araújo, que entenderam pela possibilidade de o IDPJ alcançar terceiros. Houve entre eles uma pequena divergência sobre o marco temporal para responsabilização dos mesmos.
IDPJ extendido
O caso trata de uma execução promovida por um banco contra uma construtora. O credor pediu o IDPJ para incluir no polo passivo todas as empresas do mesmo grupo familiar, além dos sócios delas (um casal) e seus dois filhos.
Os filhos, apesar de não serem sócios das empresas, entraram na mira do credor porque receberam doações de bens e dinheiro dos pais, situação que configuraria desvio patrimonial dos devedores.
O pedido foi deferido pelas instâncias ordinárias. Os filhos então ajuizaram embargos à execução, suscitando que, enquanto terceiros na relação, não poderiam responder pela dívida dos pais ou de suas empresas.
O juiz de primeiro grau rejeitou os embargos, por identificar a confusão patrimonial. O Tribunal de Justiça de São Paulo limitou a responsabilização deles aos bens adquiridos por doação pelos pais após a emissão do título que estava sendo cobrado.
Terceiros estão a salvo
O tema do alcance do IDPJ para terceiros dividiu a 4ª Turma do STJ. Relator, o ministro Antonio Carlos Ferreira entendeu que seria indevido cobrar dos filhos dos sócios da empresa devedora.
Para ele, o TJ-SP acabou por criar uma nova espécie de desconsideração da personalidade jurídica, equivalente à fraude contra credores. Assim, votou por dar provimento ao recurso especial dos filhos.
Em sua análise, caberia ao banco usar das ações próprias para se defender nessa ocasião: a chamada ação pauliana, prevista no artigo 161 do Código Civil e destinada a combater fraude contra credores ou fraude à execução.
Em voto-vista, a ministra Isabel Gallotti destacou que as doações dos pais ao filhos foram feitas antes do vencimento do título extrajudicial cobrado pelo banco e que a declaração de ineficácia desses negócios não representa abuso ou desvio de personalidade jurídica.
“Não se trata, portanto, de uso indevido de personalidade jurídica para cometer o ato fraudulento, razão pela qual entendo não ser cabível a aplicação analógica do instituto da desconsideração, em contrariedade ao sistema processual vigente, que prevê procedimentos legais específicos próprios para situações como esta.”
Na mesma linha, o ministro João Otávio de Noronha apontou que o IDPJ tem como foco o sócio ou administrador que se beneficiou da manipulação da pessoa jurídica, não havendo respaldo legal para que seja atingido o patrimônio de terceiro.
“Ainda que constatado que o sócio atingido pela desconsideração tenha agido em fraude contra credores beneficiando terceiros, mesmo que integrantes da família, o instituto da desconsideração não autoriza o alcance do patrimônio dos terceiros.”
Blindagem patrimonial
Abriu a divergência e ficou vencido o ministro Marco Buzzi, acompanhado de Raul Araújo. Para eles, é viável que o IDPJ atinja bens de terceiros porque foi demonstrada a intenção do sócio de lesar interesses dos credores mediante doação de imóveis e dinheiro aos filhos.
O ministro Buzzi foi mais longe, ao afastar a limitação temporal imposta pelo TJ-SP. Para ele, mesmo os bens doados antes do vencimento do título extrajudicial podem ser alcançados. O ministro Raul manteve a limitação.
Segundo Buzzi, não houve desvirtuamento do IDPJ, mas utilização da roupagem da fraude aos credores para amparar e corroborar a deliberação judicial, solidificando a circunstância de que houve a atuação maliciosa do devedor e a blindagem patrimonial por meio dos filhos.