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TST ADOTA CULTURA DE PRECEDENTES PARA REDUZIR VOLUME DE AÇÕES

Em seus primeiros seis meses na Presidência do Tribunal Superior do Trabalho, o ministro Aloysio Corrêa da Veiga deixou claro, mais de uma vez, o que considera ser o principal objetivo da sua gestão. “O desafio maior é criarmos a cultura do precedente”, disse o ministro ao Anuário da Justiça, em entrevista no início de abril. “E a cultura do precedente é que as decisões do tribunal superior, como corte de vértice, tenham uma qualificação para orientar a jurisdição trabalhista, das teses que nós trazemos como uniformização da jurisprudência.”

 
 
CAPA - Anuário da Justiça Brasil 2025, BR25, Brasil 2025

Capa da nova edição do Anuário da Justiça Brasil 2025

Em abril de 2025, a última esfera trabalhista já havia colocado o plano em marcha: o TST consolidou 51 novas teses vinculantes. O Supremo Tribunal Federal tem mais de 700 teses fixadas (entre quase 1.400 temas com repercussão geral reconhecida); o Superior Tribunal de Justiça julgou 985 temas até 2024. O TST, com apenas dois Incidentes de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDRs), 59 precedentes já julgados e outros 58 aguardando análise, está bem atrás na sistematização — o que gera problemas de ordem prática para a própria corte. “A questão maior diante da adoção do rito de processos repetitivos é julgar de novo aquilo que já julgamos há muito tempo”, afirma Corrêa da Veiga. “Alguns deles englobam mais de seis mil processos, e nós já tínhamos julgado mais de quatro mil vezes a mesma causa.”

 

Alguns dos primeiros temas já não eram novidades no tribunal: o Tema 51 fala do direito a intervalos de dez minutos, a cada hora, para bancários que trabalham com digitação; o Tema 70, também com acórdão publicado, reafirma o entendimento de que “a ausência ou irregularidade no recolhimento dos depósitos de FGTS caracteriza descumprimento de obrigação contratual”. (Conheça as teses fixadas a partir da página 206.)

O efeito esperado com tantas teses, de reafirmar e alinhar a jurisprudência, é evitar a chegada de ações que nem deveriam estar na instância final da Justiça do Trabalho. “As resistências a isso não se justificam”, critica.

O ministro exemplifica com números: 86% de todas as ações que são julgadas nos 24 Tribunais Regionais do Trabalho (TRTs) acabam trancadas, por estarem em consonância com o que a corte de Brasília já decidiu; desta parcela, outros 86% acabam indo assim mesmo ao TST, por meio de agravos; ao final, apenas 6% dos recursos que chegam ao TST suscitam a reforma da decisão de base.

 

 

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Os dados justificam outra mudança assinada por Corrêa da Veiga. Resolução de fevereiro de 2025 passou a impedir que o TST analise agravos de instrumento em recursos de revista contra decisões baseadas em precedentes vinculantes da corte. Como mais da metade (57%) das ações apresentadas ao TST eram agravos de instrumento em recursos de revista, agora apenas o agravo interno é o tipo processual válido para contestar decisões dos TRTs sobre recursos de revista. E os próprios tribunais de segunda instância se tornaram os responsáveis por analisar os agravos internos.

Em 2024, mais de 400 mil casos novos foram distribuídos no TST, aumento de 38% em relação ao ano anterior. Pela primeira vez na história da corte, o volume de casos julgados passou de meio milhão. Como o crescimento de julgamentos foi tímido em relação a 2023, próximo a 4%, o acervo sob responsabilidade da corte subiu 12,7%. Em dezembro, eram mais de 620 mil processos no estoque e o tempo médio entre o protocolo da ação e a baixa era de um ano e oito meses.

 

No início de 2025, o TST mudou as regras para o julgamento virtual. Em vez de sete, os ministros têm seis dias úteis para votar. Os processos com destaque ou vista podem voltar à pauta virtual, em vez de migrar obrigatoriamente para as sessões presenciais. Tal como no STF, os votos agora são disponibilizados em tempo real, durante o julgamento virtual.

Por falar em STF: a relação entre os dois tribunais continua com pontos de atrito. Em março de 2025, ao falar em evento do portal jurídico Jota, o decano da Suprema Corte, Gilmar Mendes, disse que ainda há dificuldade em se entender as formas plurais de emprego no país e que, para decifrar este enigma, a Justiça do Trabalho talvez estivesse “operando com estímulos envelhecidos”. “Existem assimetrias que precisamos reconhecer e rever a ideologia excessivamente protecionista, de que é só na presença do juiz ou de uma grande formalidade que se vai resolver o problema”, disse.

 

 

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Semanas após a fala, o decano do STF decidiu paralisar todas as ações sobre pejotização em toda a Justiça brasileira, até que a corte julgue o Tema 1.389. O debate sobre a licitude deste tipo de contrato já é uma realidade não apenas na Justiça do Trabalho, que recebeu 460 mil novas ações sobre reconhecimento de relação de emprego em 2024 — 20 mil delas direcionadas ao TST —, mas também do Ministério Público do Trabalho (com 4.708 inquéritos em aberto sobre a questão) e até mesmo na própria Suprema Corte.

Isso porque, desde que o STF julgou lícita a terceirização de serviços, em 2018, casos que ainda estão na primeira instância trabalhista são levados à corte na classe das reclamações. Em 2024, um terço de todas as reclamações que chegaram ao STF foram trabalhistas, num total de 3.481, aumento de mais de 75% em um ano. Nesse sistema disfuncional, o tribunal é obrigado a intervir em tema que sequer esgotou seu caminho na instância competente.

 

Do ponto de vista de quem dá a última palavra na esfera trabalhista, este é um drible que se mostra vantajoso para quem litiga, na visão de Corrêa da Veiga. Agora, o TST passa a viver a expectativa de ver, novamente, o Supremo responder sobre sua alçada. “Tirar a competência da Justiça do Trabalho sobre o tema vai interferir no mercado de trabalho”, alerta o advogado trabalhista Fábio Calcini, “podendo, ao fim, criar uma desoneração de folha nunca antes vista no Brasil”. Procuradores do trabalho também criticaram a decisão de Gilmar.

Dentro das três seções especializadas da corte, o volume de casos julgados diminuiu nos últimos anos. Apesar de o TST considerar como um movimento sazonal, a SDC, responsável pelos dissídios coletivos, chegou ao seu menor nível em dez anos. Destes colegiados saem algumas das mais relevantes teses definidas pelo TST, uma vez que são eles que uniformizam julgados das oito turmas.

Já as turmas do TST ainda se veem às voltas com questões antigas — horas extras e seus adicionais lideram com vantagem a lista de temas mais frequentes. Intervalos intrajornada, adicional de insalubridade e a multa de 40% do FGTS são temas com os quais o TST já não possui muitas divergências, mas que continuam entre os mais julgados pela corte. Até a lista de maiores litigantes indica que as teses enfrentadas diariamente não são surpreendentes: bancos (cuja atuação é vigiada por fortes sindicatos), petroleiros (idem) e estatais compõem o grosso de quem mais responde às ações.

 

 

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Mas há também temas que são sinais dos novos tempos nas relações de trabalho. O debate sobre a relação ou não de vínculo empregatício entre motoristas de aplicativo e as plataformas digitais como Uber e 99, já julgado em ao menos 650 casos, ainda divide a corte.

 

Cinco turmas entendem que não existe relação de emprego entre entregadores e motoristas e as empresas de aplicativo do gênero, tal como estabelecida na CLT. Para três turmas, no entanto, é possível reconhecer que os motoristas “não são trabalhadores autônomos, encontram-se a elas subordinados e economicamente dependentes, relacionando-os com terceiros segundo a marca do aplicativo, nos estritos moldes de suas políticas de preços e relacionamento, de cumprimento obrigatório, sob pena de desligamento”. A palavra final sobre o tema deve ser dada, não pelo TST, mas pelo Supremo, no Tema 1.291, de repercussão geral reconhecida.

Em 2024, o TST deu posse a Antônio Fabrício de Matos Gonçalves, hoje seu ministro mais novo da corte. Oriundo da advocacia mineira — onde chegou a presidir a OAB local — o ministro integra a 6ª Turma. A próxima vaga a ser aberta é a do próprio presidente em outubro e, em março de 2026, Dora Maria da Costa também se aposenta da corte trabalhista.