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RECEITA REFORÇA QUE É PRECISO DECLARAR DINHEIRO JÁ GASTO

A Receita Federal fez ontem a tão esperada atualização na lista de perguntas e respostas sobre o programa de regularização de recursos não declarados no exterior, forma que tem usado para se comunicar com os contribuintes. O órgão surpreendeu, entretanto, ao não somente reforçar o entendimento que tem causado desconforto - sobre insuficiência de se declarar apenas o saldo no exterior em 31 de dezembro de 2014 -, como também não dar detalhes sobre como fazê-lo.

"A Receita perdeu uma boa oportunidade de reavaliar essas respostas que tinham sido dadas anteriormente, que trouxeram confusão, o que é um desserviço aos próprios propósitos arrecadatórios do governo", diz Hermano Barbosa, tributarista do Barbosa, Müssnich, Aragão Advogados. Para ele, a Receita apenas ratificou o entendimento que tem gerado polêmica no mercado.

A resposta referente a como declarar bens que foram parcialmente consumidos até o fim de 2014 não foi alterada, somente ganhou duas notas explicativas. Na primeira, a Receita defende que a inclusão de recursos não mais existentes está prevista no artigo quarto da Lei nº 13.254, o mesmo usado por tributaristas para argumentar que quem tem saldo na conta em 31 de dezembro de 2014 deve declarar somente esse valor.

A segunda nota reforça que para extensão dos efeitos do regime a todas as condutas relacionadas aos bens havidos nessa data e em períodos anteriores é necessário declarar a totalidade dos recursos, o que inclui os bens de que o contribuinte não tenha mais saldo ou propriedade.

Não há detalhes nas notas sobre como tratar o passado - se pelo pico do patrimônio, por exemplo - nem a respeito de quanto é preciso retroceder no tempo, dúvidas levantadas pelo mercado desde que a Receita fez a última atualização na lista, em 24 de maio.

A interpretação da Receita, além de não esclarecer, não coincide com o texto original, na opinião de Barbosa. "A lei precisa escolher uma base de cálculo e escolheu o saldo em 31 de dezembro", considera. Essa também foi a interpretação defendida nas últimas conversas com o governo pela Fiesp e pela Anbima, entidades representantes da indústria e do mercado que têm concentrado o diálogo.

Para o consultor jurídico da Fiesp, Hamilton Dias de Souza, a atualização na lista deixa clara que essa é a posição da Receita: declarar o histórico. Para ele, a interpretação mais sensata é a de que é preciso considerar o maior valor nos últimos cinco anos, período de decadência dos crimes tributários. "Acho uma pena, porque isso seguramente vai desestimular grande parte das pessoas físicas a declarar", afirma o advogado.

Souza diz ainda que a Receita não esclareceu como lidar com o histórico no caso de empresas "offshore", estruturas usadas com frequência para abrigar altos patrimônios no exterior. A

pergunta foi feita por ele ao secretário adjunto da Receita Federal, Paulo Ricardo de Souza Cardoso, em um encontro na Fiesp na semana passada. De acordo com o advogado, ele disse que incluiria o tema na próxima lista de perguntas e respostas, o que não aconteceu.

A Receita também adicionou notas à pergunta sobre trusts, outra que gerou polêmica no mercado ao determinar que o beneficiário que desconhece a existência do trust ficará sujeito a sanções tributárias e criminais. Para Souza, a Receita também reafirmou nesse caso a interpretação anterior, o que considera errado. "Não vejo como aquele que não tem disponibilidade dos bens deva declarar", considera, apontando que em alguns tipos de estrutura, como as que podem ser revogadas, pode ser que o beneficiário sequer tenha acesso ao patrimônio algum dia.